começo: Conversações Febris – 04 de junho de 2020
1) Regimes de conhecimento (as disputas em relação à ciência, os saberes menores e não autorizados, as ontoepistemologias dos saberes das lutas, corpos como sensores);
2) Regimes de poder que atualizam formas de controle; Biopoder-Biopolítica, dispositivos (novas formas de mobilização e desempenho, tecnologias de gênero e racializadoras/racistas, a relação entre a casa, o corpo, o prazer e a produção);
3) Regimes tecnopolíticos e tecnoestéticos (a complexidade tecnosomática; dataficação, algoritmização da vida e novos modos de extração e trabalho; alteração nos modos de associação, desejos e individuações tecnomediadas);
4) Transição societal e os limites do capitaloceno/plantationoceno/antropoceno (terra e o mundo vivo, relação entre viventes; extrativismo ampliado e formas cosmopolíticas de luta).
A ambiguidade constitutiva da modernidade, encarada superficialmente quer como processo disciplinar quer como processo liberal, quer como realização do totalitarismo quer como advento do liberalismo, está contida e suprimida na, com e pela nova governamentalidade que emerge, inspirada pela hipótese cibernética. Esta não é nada além de um protocolo de experimentação, grandeza natural do Império em formação. Sua realização e sua extensão, ao produzir efeitos verdadeiramente devastadores, já corroem todas as instituições e as relações sociais fundadas sobre o liberalismo e transformam tanto a natureza do capitalismo quanto as chances de contestá-lo. O gesto cibernético se afirma por uma denegação de tudo o que escapa à regulação, de todas as linhas de fuga que a existência arranja nos interstícios da norma e dos dispositivos, de todas as flutuações comportamentais que não seguiriam in fine das leis naturais. Na medida que veio para produzir seus próprios vereditos, a hipótese cibernética é hoje o anti-humanismo mais consequente, o que quer manter a ordem geral das coisas gabando-se de ter ultrapassado o humano. (TIQQUN, HIPÓTESE CIBERNÉTICA)
Como habitar a revolta?
Como disputar a revolta?
Existe revolta conservadora?
A revolta dentro da ordem – Bolsonaro.
Revolta conservadora é ressentimento, não? Até que ponto estamos dispostos (enquanto civilização) a nos revoltar? Qual o limite?
O limite é o próprio limite do projeto civilizacional/republicano. Que “democracia” é essa que podemos imaginar/sustentar para além do jogo colonial da república dos Donos que nos pede “participação”, “responsabilidade” e mobilização de “maiorias”? O que significa ser “maioria”? Não desejamos ser outra coisa?
Está havendo um silenciamento entre os professores e estudantes. Silencio de uma tristeza muito grande. As pessoas estão vivendo traumas.Problema da visualidade – problema do espectador.
Como voltar? Como lidar com as tristezas? Quem trabalha com educação, como lidar com a situação?
Como sustentar a revolta? O problema é como sustenta-la! Como não se disciplinar a se acostumar com as coisas? Como diferenciar a ansiedade inerente da produtividade capitalista da tristeza diante da tragédia humana? Falar de morte sem despedida. Como abandonar os rituais mais antigos das culturas humanas e conviver consigo?
A suspensão das atividades, pela quarentena abriu uma fratura no tempo que permitiu que, tendo um pouco de tempo, também o pensamento sofresse aberturas. Para onde se vai quando se pode finalmente pensar que caminho tomar?
Mas logo o tempo volta a ser capturado, sentir o produtivismo torna-se intolerável. O que manter, do mundo de antes? O que deixar morrer, do mundo de antes? No mundo pós-pandemia, para onde redirecionar atenção? Reposição e revisão para a retomada das coisas, dos elos, dos focos. Que elos existem ou podem vir a existir, que não sejam os de bases hierárquicas
Como redesenhar a pesquisa, o ensino universitário e escolar para uma lógica da conjunção? Que arranjos acadêmicos, investigativos, pedagógicos e de convívio poderiam ativar uma fratura que permita “pular os muros” da lógica proprietária do conhecimento, mas para cair longe deles? Como manter, por algo despertado na quarentena, nossa capacidade de decifrar os signos segundo o desejo, liberando espaço para a vibração do desejo-pesquisa, desejo-educação, desejo-arte? ou que não nos pressuponham no lugar de espectadores, mas em lugares de ação, em um corpo coletivo?
Como retomar o ruído, a contaminação?
Formas que transbordam, escapam.
Homens indo pra rua protestar X Mulheres que estão sustentando todo o cuidado, a saúde? Qual é a revolta necessária?
Relação analógica com o pandemico.
Ciencia da cretinice!
Diversidade no corpo.
Escapar da escolha infernal: Cuidado X Luta
O ensino formal sistematizado pelas formas de dominação não cabem em uma situação dessas. A educação formal não cabe, mas o aprendizado não se esgota ou interrompe. Há uma fenda no tempo e espaço para a noção do social e do homem que se insere nele, mas até que ponto isto não é uma oportunidade de aprofundamento dos controles – sob novas formas – ou no sentido oposto, falhas no tecido de contenção que permitem esgarniçá-lo. Quais são as forças dessas costuras? Há aproveitamento dos fios de ligação e condução ou novas experiências e experimentações nos trarão uma espécie de primeira infância social novamente? Anibal Ponce discorre que a educação reformada para o afrouxamento/atentar os interesses de camadas marginais do poder são premissas do desenvolvimento de novos processos revolucionários nas histórias humanas. As revoltas são portanto o resultado desse processo de transformação educacional. Se perdemos a possibilidade de execução de uma educação bancária, o que nos impede o exercício de uma educação experimental e crítica?
Cidade silenciosa, floresta sonora.
O apanhador de desperdícios
Manoel de Barros
Uso a palavra para compor meus silêncios
Não gosto das palavras fatigadas de informar
Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes
Prezo insetos mais que aviões
Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis
Tenho em mim um atraso de nascença
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos
Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo
Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as boas moscas
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto
Porque eu não sou da informática:eu sou da invencionática
Só uso a palavra para compor meus silêncios
Essa idéia do desperdicio me parece fundamental na sabotagem algoritmica: por um lado, a reorganização dos dispositivos de controle/rendimento/desempenho, uma afirmação brutal de que não se pode mais “perder tempo”; de que a tecnologia está aí para “otimizar”; “tornar o trabalho mais eficiente”; evitar o desperdício. Por outro: o que transborda, o que pede mais tempo, o que precisa parar, os corpos que apresentam os sintomas da paralisia, do esgotamento; invencionáticas; uma informática que esteja a serviço do tempo livre, dos prazeres do encontro.
Sobre as palavras e a distopia do Coronga, no texto do Zizek.
Ao final do Screen New Deal existe a ideia de um cérebro conectado, de nossos cérebros compartilhando diretamente experiências em uma Singularidade, uma espécie de autoconsciência coletiva divina. Elon Musk, outro gênio da tecnologia de nossos tempos, recentemente declarou que ele acredita que em questão de 10 anos a linguagem humana estará obsoleta e que, se alguém ainda a utilizar, será “por motivos sentimentais”. Como diretor da Neuralink, ele diz que planeja conectar um dispositivo ao cérebro humano dentro de 12 mesesEsse cenário, quando combinado com a extrapolação do futuro em casa de Naomi Klein, a partir das ambições dos simbiontes de Big Tech de Cuomo, não lembra a situação dos humanos no filme Matrix? Protegidos, fisicamente isolados e sem palavras em nossas bolhas de isolamento, estaremos mais unidos do que nunca, espiritualmente, enquanto os senhores da alta tecnologia lucram e uma multidão de milhões de humanos invisíveis faz o trabalho pesado — uma visão de pesadelo, se é que alguma vez existiu algumaNo Chile, durante os protestos que eclodiram em outubro de 2019, uma pichação num muro dizia: “Outro fim de mundo é possível”. Essa deveria ser nossa resposta para o Screen New Deal: sim, nosso mundo chegou ao fim, mas um futuro-sem-contato não é a única alternativa, outro fim de mundo é possível.
Vou partilhar link de uma compilação de imagens da ação Zengakuren contra a expansão do aeroporto de Narita.
Ando reunindo umas compilações desde umas filmagens da década de 50 até ações recentes. Um dia de repente mando uma narrativa de que como “surgiu” a Liga Zen Nihon Gakusei Jichikai Sō Rengō (Zengakuren) – algo como “Liga de japoneses pelo auto governo jovem”. Tenho achado interessante descobrir que Zengakuren é muito diferente de geração pra geração do pós-guerra até então. Há “ondas Zengakuren” no Japão, não exatamente uma organização fixada numa frente de alianças… Um certo contexto de aliança fascista Japão-EUA em expansão do aeroporto de Narita, por exemplo, foi responsável pela expulsão de camponeses de comunidades tradicionais ao redor, nesse vídeo. Mas houveram ondas em momentos de tratados de conciliação de cooperação militar entre Japão e EUA que mantiveram bases militares de ocupação do exército norte americano no Norte (com o argumento do avanço comunista da Coreia) e no arquipélago do Sul (mantendo as tensões com Vietnã, China, Filipinas…), levando essa característica mais auto dita como liga, entre 1948 até grandes ondas de manifestações aos longo das décadas de, 1960, 1870 e 1980. Ainda que a sigla aponte um certo “auto-título” de “estudantes organizados”, acho muito difíceis as aproximações com imagens identificadas com certa classe estudantil “anarco-comunista”, e é verdade que haviam contextos de grupos secundaristas e universitários se reunirem para traduzir para o japonês panfletos e textos dos Panteras Negras, manuais de guerrilha latino-americanos (uns escritos do Che Guevera, por exemplo) e experiências do comunismo e lutas antifascistas na Europa.
Mas é verdade também que o tipo “estudante/jovem aprendiz” japonês na sigla, pode ser lido como um tipo em ação ou uma ação em um tipo. Jovens aprendizes dos saberes e dos ofícios de uma terra devastada, explodida, rendida para a ocupação da Marinha, Força Aérea e bases terrestres norte americanas, com um imperador golpista de papinho com os altos comandos do exército norte americano. Explodiu, principalmente ao longo da década de 1960, a geração que cresceu nos territórios ocupados, fazendo racionamento de arroz, das ondas de fome no sul e no norte. O tipo “jovem aprendiz”, na cidade é, também, aquele que viu tudo explodir para que, inclusive o selo imperial do golpe Meiji permanecesse intacto pela presença da ocupação militar dos EUA. A juventude japonesa vivia a aliança fascista EUA-Japão acabando com os últimos territórios autônomos e independentes de povos originários e comunidades camponesas, jogando toda essa juventude para trabalhar nos novos conglomerados industriais que disputam a exportação de seda com a China (depois da instabilidade política dos primeiros ministros dos anos 60/70, vem o toyotismo que já é outra história nesse contexto…). Mas sabia que lidava com outro tipo de fascismo que aquele que foi combatido na Europa. Os círculos mais universitários do período foram atrás de como estavam os movimentos de insubordinação dos povos sendo racializados no contexto da América do Sul e América do Norte. Não se tratava de “filiar-se a este ou aquele círculo/corrente/fração partidária”, mas de “fazer” Zengakuren em cada contexto na medida em que é possível procurar juntos respostas para manter Japão (o que quer que ele seja) com seus conflitos internos sendo resolvidos sem os EUA!
A situação das cidades industriais, hoje, está tomada por dekasseguis brasileiros que até conseguem cidadania se trabalharem 16h por dia com endereço fixo por 2 anos, e trabalhadores chineses e filipinos com vistos de trabalho de 6 meses. O Japão “pega de volta” os descendentes da diáspora dos povos que expulsou para a América do Sul como mão de obra barata depois de ter ocupado os territórios dos seus bisavós, avós, pais e mães com o exército norte-americano. O que mais me atravessa nessas ondas que chegaram a ter 16milões de pessoas “fazendo” Zengakurem nas ruas, em diferentes períodos de continuidades tanto do golpe Meiji, quanto da aliança militar Japão-EUA (o que é meio que a mesma coisa), é que Zengakuren não é uma “experiência anarquista e comunista” do Japão justamente porque é inegável que tenham havido circulações de saberes até mesmo sobre o manual do guerrileiro urbano do Marighella até experiências de guerrilha na Guerra Civil Espanhola e, ainda assim, seja por influências de intensas aberturas e intensos fechamentos destas populações insulares, o fato é que tudo o que nihonjin engole, nihonjin “devolve ao contrário”. E Zengakurem é prática local de devolver o que o mundo racista do capitalismo neoliberal merecia enchendo o saco dos territórios de camponeses ou deixando a juventude sem perspectiva nos conglomerados industriais: a revolta do perigo amarelo.
https://www.youtube.com/watch?v=OAPC1wI08IM
Zizek quando o coronavirus era um problema apenas chinês (começo de fevereiro)
Férias em Wuhan. Há, no entanto, uma perspectiva emancipatória inesperada escondida nessa visão de pesadelo. Preciso admitir que, nos últimos dias, tenho me visto sonhando com a possibilidade de visitar Wuhan.Ruas de megalópoles semi-abandonadas não nos transmitem a imagem de um mundo sem consumismo, em paz consigo mesmo? Centros urbanos geralmente movimentados parecendo cidades fantasma, lojas de portas abertas e vazias de clientes, somente algum caminhante ou carro por aí, indivíduos com máscaras brancas. A beleza melancólica das avenidas vazias em Shanghai ou Hong Kong me recorda alguns dos filmes pós-apocalípticos antigos, como A Hora Final [de Stanley Kramer, 1959], onde se mostra uma cidade cuja população foi quase toda dizimada — sem nenhuma grande destruição; simplesmente, o mundo lá fora já não está mais à mão para nós, esperando por nós ou olhando para nós. Até as máscaras brancas na face das poucas pessoas que circulam por aí oferecem um anonimato muito bem vindo, uma libertação da pressão social pelo reconhecimento.
Muitos devem se lembrar do famoso epílogo do Manifesto Internacional Situacionista de 1966: . “Vivre sans temps mort, jouir sans entraves” — viver sem tempo morto, curtir sem empecilhos. Se Freud e Lacan nos ensinaram algo, é que essa fórmula é a receita para o desastre — o caso de uma liminar do superego levada ao extremo, pois, como Lacan demonstrou muito bem, o superego nada mais é do que uma liminar positiva a ser desfrutada e não um ato negativo de proibição. O desejo de preencher com intenso envolvimento todos os momentos do tempo que temos, inevitavelmente, nos leva a uma monotonia sufocante. O tempo morto — aqueles momentos de retiro, que os antigos místicos chamavam de Gelassenheit, libertação — são essenciais para revitalizar a nossa experiência de vida. E, talvez, a gente possa esperar que, como consequência involuntária das quarentenas de coronavírus nas cidades chinesas, algumas pessoas passem a usar seu tempo morto para se libertar de atividades agitadas e pensar na falta de sentido de sua situação.Tenho plena consciência do perigo que enfrento ao tornar públicos esses meus pensamentos: não estaria eu me envolvendo em uma nova forma de atribuir ao sofrimento das vítimas uma visão mais profunda e autêntica, desde minha posição externa segura e, assim, legitimando cinicamente o sofrimento deles?
https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/zizek-coronavirus-racismo-e-histeria/
Sant’Antônio, Sant’Antônio
Vou te fazer uma oração: Derrubada de governo miliciano casada com a verdadeira abolição.
Tônho, Tônho
Te juro que tu fica na bacia de ponta cabeça, se não tiver tar casamento. E se não for pedir muito… Queria acrescentar só mais um elemento: Que o povo celebre esse dia, jogando o Bolsonaro no excremento
Amém.