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remar juntas

@emineyilmazn

Remar juntos é partilhar, partilhar alguma coisa, fora de qualquer lei, de qualquer contrato, de qualquer instituição. 

Carxs praticantes,

Partimos de algumas inquietações iniciais e problemas com os quais nos sentimos implicadxs nesse momento. Escrevemos alguns parágrafos na forma de uma proposição-convocatória para abrir a hipótese de uma Zona de Contágio. Como algumas pessoas não leram ainda o material recolocamos abaixo os links:

1. https://www.tramadora.net/2020/03/25/laboratorio-zona-de-contagio/

2. https://www.tramadora.net/2020/04/07/conspiremos-um-convite-para-um-experimento-coletivo-de-investigacao/

A proposta é simples: iniciar uma conversação entre todxs, uma prática investigativa coletiva, a partir da situação limite que estamos habitando.

Para entrar nesse barco basta mandar um email para: conspire@tramadora.net

Contornando a saturação filosófica e os grandes esquemas conceituais que interpelam o acontecimento-Covid-19, queremos habitá-lo em sua dimensão experiencial, tecnomediada e que finalmente conecta velhas e novas tecnologias de domesticação e desempenho (da casa aos dispositivos que oferecem distração, praticidade e eficiência em um ambiente cada vez mais vigiado e controlado no qual se busca a todo custo bloquear a experiência como também todo o acontecimento).

Queremos praticar uma ciência de contato  – ainda que seja desde o isolamento – e que atue na produção, sempre parcial e precária, de práticas e conhecimentos sobre questões que implicam a todos. Outras perguntas irão surgir no percurso. Desviar das rotas planejadas é sempre um sintoma de boa saúde para uma ciência de risco. Inventar novas e melhores perguntas que produzam uma comunidade de praticantes interessadxs em experimentá-las. O próprio desenho do laboratório e seu modo de pesquisar são problemas que fazem parte da nossa investigação.

Como seguir juntxs em tempos de pandemia? Como fazer de nossa vulnerabilidade o risco comum de uma dupla condição: uma política da experimentação e uma prática (onto)epistêmica corporificada, situada e que possa retomar nossa inteligência coletiva relacional de viver graças aos outros, de pensar graças aos outros. Nos importa pensar quem somos o “nós” contingencial desse percurso investigativo. Convidamos a uma prática para iniciar a conversa e experimentar sustentá-la por algum tempo (dois ou três meses?), atentos ao percurso, suas aberturas e possíveis desdobramentos.

Movimento 1: apresentação, interação assincrônica, criação e compartilhamento

Como cada um de nós é forçado a pensar pelo acontecimento covid-19? Como esse acontecimento dispara novos problemas, entendimentos e experiências e criações intuições? 


 “Essa experimentação é política, pois não se trata de fazer com que as coisas “melhorem”, e sim de experimentar em um meio que sabemos estar saturado de armadilhas, de alternativas infernais, de impossibilidades elaboradas tanto pelo Estado como pelo capitalismo. A luta política aqui, porém, não passa por operações de representação, e sim, antes, por produção de repercussões, pela constituição de “caixas de ressonância” tais que o que ocorre com alguns leve os outros a pensar e agir, mas também que o que alguns realizam, aprendem, fazem existir, se torne outros tantos recursos e possibilidades experimentais para os outros. Cada êxito, por mais precário que seja, tem sua importância” (I. Stengers).

Para nos apresentarmos, sugerimos agora que cada um compartilhe, de alguma forma, o modo pelo qual está habitando essa encruzilhada:  um breve texto, fotografias, áudios, vídeos, performances. Um formato simples o suficiente para não produzir a sensação de “mais uma tarefa”; o prazer nos parece um bom indicador para essa breve produção. 

Aqui podemos falar, a partir das nossas vidas e pesquisas, ou das duas coisas entrelaçadas, sobre os fios do provável ( de como sentimos, intuimos ou entrevemos a reorganização dos poderes tecnototalitários e dos dispositivos reordenadores da vida); e também sobre os fios do possível ( de como sentimos, intuimos ou entrevemos as formas de cooperação, novos acordos coletivos, a luta contra as normalizações dos excessos e pelas muitas formas de recusa). O material poderá ser enviado até o dia 22 de abril.


*Neste post (logo abaixo) você pode escrever usando a área de comentários e adicionar um arquivo de mídia: https://www.tramadora.net/?p=1772

Sua postagem se tornará pública para outrxs pessoas que por lá passarem também.

*Arquivos muito pesados (acima de 64MB) podem ser enviados para este pasta (coloque seu nome nos arquivos): https://owncloud.labjor.unicamp.br/index.php/s/wL1jywTR6Nel0H5


Movimento 2: Ciclo de estudos insurgentes

Um encontro virtual, quinta-feira, dia 23 de abril das 19hs às 21hs, para conversarmos a partir de um texto que inspira nosso laboratório. Livro “No Tempo das Catástrofes”, cap.16, de Isabelle Stengers. Disponível aqui: https://www.tramadora.net/wp-content/uploads/2020/04/stengers-tempo-catastrofe-cap16.pdf

Um dia antes enviaremos o link para o ambiente virtual. Teremos alguns convidadxs pra disparar a conversa entre nós. Podemos combinar referências ao texto com o momento atual em diálogo com nossas produções/investigações (movimento 1).

Respiração diafragmática. Sem angústias ou ansiedade produtiva. A ideia é produzirmos um encontro entre praticantes de mundo em suspensão. 


Até breve! 

25 comentários em “remar juntas”

  1. Eu disse hoje para a minha filha:
    Quero transcender os males do mundo e é por isso que medito em busca de auto conhecimento, quem sabe eu possa me tornar sábia cheia de sabedorias.

    Mas toda vez que ouço as (des) orientações do pessoal federal, eu mergulho na indignação e saio da casinha:
    E volto três casas.

    Penso que a saída é voltar muitas casas: plantar para todo o bairro em Hortas comunitárias.
    E fazer o comércio com trocas de produtos e serviços.

  2. Nesta semana que passou, eu senti que o amor foi derrotado. Uma das primeiras coisas para as quais me mobilizei, em meio a reorganização de atividades na Unicamp, relatório Sucupira, organizar com a família a vida da minha mãe, da minha filha, que tem asma, etc, foi tentar achar uma forma de organizar a vida no prédio que moro. É um prédio pequeno, 18 apartamentos apenas, com vários idosos. Mas conversando com todos pelo whatsapp conseguimos que os porteiros recebessem licença remunerada por tempo indeterminado. Pareceu-me uma conquista e tanto, antes de tudo, porque sinalizava que poderíamos nos organizar de forma coletiva e harmoniosa para atividades no prédio de modo a preservar o bem estar dos funcionários. Eu fiquei tão feliz, que já pensava em como propor uma horta comunitária para o prédio e outras ações que nos auxiliassem nesses tempos pandêmicos.
    Mas então, nesta semana, isso foi por água abaixo. Depois de longas discussões pelo whatsapp, decidiram que o pessoal da portaria deve voltar ao trabalho, mesmo em meio a mais de 200 mortes diárias no país. O que mais me espanta nisso é a falta de consideração pela vida, expressa na incapacidade de organizarmos e dividirmos responsabilidades e afazeres para o bem coletivo. Eu fiquei tão impactada com a situação, que me ofereci para fazer todo o serviço necessário, se isso pudesse preservar as pessoas. Mas nem isso foi aceito.
    A sensação que ficou pra mim é que as pessoas querem de volta uma especie de normalidade representada pelos porteiros (com todo o debate sobre a classe media aí envolvido e tão escancarado hoje na carreata na Avenida Paulista). Não há economia a ser salva com saída do isolamento, basta olhar ao redor, basta olhar o mundo inteiro.
    A certeza que ficou é sobre a nossa profunda incapacidade de amar e de olhar todas as vidas sem distinção. Sim, todos sabemos dessa incapacidade há muito tempo, mas nunca foi tão crua essa expressão simultânea e em nível planetário, revelando a profundidade com que isso se enraíza em nós e na vida cotidiana. Revelando pequenos momentos diários em que poderíamos ter feito algo para mudar e não fizemos. Quando poderíamos ter poupado pessoas, vidas, e não poupamos. As desigualdades, que se queria escondidas sob o tapete, cavam agora valas comuns. Que haja tempo para “transformar as velhas formas do viver”.

  3. Marcelo Jungmann Pinto

    Ressonâncias
    Posicione o seu fone, é Lua nova. Começar novo, de novo.
    No contrafluxo de veículos automotorizados um corpo-peregum caminha entre as árvores e procura afinar-se com o arco ancestral.

    – Escuta! O que é que ressoa?
    – É um corpo sonoro.
    – Mas qual? Uma corda, um metal, ou o meu próprio corpo?
    – Escuta: é um arame esticado entre uma câmara de ressoar mundo e um pedaço de pau, e que um outro golpeia, fazendo-te ressoar segundo o teu timbre e ao seu ritmo.

  4. Em relação a ficar em casa achei que não seria muito diferente da licença maternidade, mas a maneira que estamos aprisionados é outra. Aqui não tivemos perdas de trabalho, apenas redução de salário – e isso talvez seja um motivo para agradecer.

    Trabalho (creche) e moro na periferia, então o maior problema foi a falta de água e energia. Um dos meus maiores medos era que minhas crianças ficassem sem alimentos, mas a prefeitura disponibilizou cestas básicas na creche. Na entrega, vi que o isolamento era quase inexistente, havendo não só o comércio de necessidades básicas aberto.

    Em relação à saúde mental, achei que surtaria mais. Logo no início da quarentena passei no psiquiatra – pois os meus remédios estavam acabando. Ele informou que houve um aumento significativo nos casos de ansiedade e aumento de doses de remédio. Quanto a mim, que tenho bipolaridade, não consegui tirar metade dos projetos do papel ou manter uma rotina fora do “normal”.

    Anexo está um vídeo sobre 1 dos 242344 dias de quarentena (quase todos iguais).

  5. alguns dias antes de entrar em quarentena eu bebia chá e fumava tabaco com duas pessoas queridas num terraço no meio da floresta atlântica do sertão de ubatumirim
    tínhamos passado o dia na cachoeira
    nós três e
    cada um com companhias próprias
    (d. tinha estado com dietilamida do ácido lisérgico e suas orações corporais
    b. com pensamentos rítmicos e um livro
    e eu um bom punhado de psilocybe cubensis mais o espanto de ter acabado de entregar uma tese o sentimento do fim como algo que desbarranca o corpo moído da queda a confusão de ter sobrevivido ao acidente)
    nós todos muito precisados de ir até o coração da mata
    ir lá onde nada nos pertence
    onde tudo nos ensina a não usar as mãos
    ir lá e buscar nada
    ir só pra relembrar
    o tamanho das coisas
    e que tudo o que sabemos fazer é nomear as coisas
    depois já no fim de tarde mais suaves
    terraço chá tabaco e a luz desaparecendo atrás de dosséis muito altos
    tentávamos adivinhar o futuro
    já víamos a catástrofe anunciada
    b. falou isso:
    o que um dançarino faz quando tudo vai bem?
    ele dança
    e o que um dançarino faz durante uma guerra?
    ele dança
    o que faz o dançarino diante de uma pandemia mortífera?
    ele ainda dança
    e enquanto o mundo acaba o dançarino também dança
    b. e d. são dançarinas
    eu sou anfíbia e não sei então o que fazer
    nas últimas semanas visto a lentidão maior
    só sei ser lenta
    lenta e inútil
    não sei pensar nada importante
    fazer nada
    leio pouco e muito devagar
    recolho cacos muito antigos que deram pra aparecer
    choro muito
    tenho pesadelos
    penso em ovos e na clarice lispector
    arrumo um armário e tudo é tão antigo
    leio sobre as mulheres no front na segunda guerra
    ouço falarem do heroísmo do meu pai
    prendo uma mosca no copo
    depois solto
    a velocidade do mundo não me desce
    a claridade das telas me machuca
    as mensagens se acumulam
    perco os prazos
    cuido apenas do minhocário
    a compostagem ao menos ela ainda me interessa
    os cachorros também me interessam
    tantos anos estudando as cidades
    e agora me ouço perguntar
    – se todas as pessoas morressem quanto tempo será que levaria pra que são paulo virasse de novo mato?
    (no fundo toca a música da letrux:
    to louca pro mundo acabar
    to louca pro mundo começar
    to louca pro mundo)

  6. Um dos experimentos que participo nessa pandemia é o engendrar uma rede para produzir em larga escala mascaras face shield vindas de um modelo open source (e adaptada a nossa realidade e disponibilizada também em open source) e doada para quem faz ação direta no território ou trabalha em primeiro atendimento no sistema de saúde.
    O interessante, entre outras coisas, é a articulação da rede que passa, por exemplo, pela sensibilização de uma empresária que permitiu o uso de sua empresa e equipamentos/máquinas durante o “lock down” para produção das máscaras.
    A articulação da rede, a arrecadação para compra dos materiais e o trabalho voluntariado voluntários para montagem dos kits e entrega foi feita através de aplicativo/rede de celular.
    Deixo em anexo a carta de agradecimento e o Manual entregue que é impresso e entregue junto com o kit que contem a máscara.

    instruções de uso – FINAL

  7. Um dos experimentos que participo nessa pandemia é o engendrar uma rede para produzir em larga escala mascaras face shield vindas de um modelo open source (e adaptada a nossa realidade e disponibilizada também em open source) e doada para quem faz ação direta no território ou trabalha em primeiro atendimento no sistema de saúde.
    O interessante, entre outras coisas, é a articulação da rede que passa, por exemplo, pela sensibilização de uma empresária que permitiu o uso de sua empresa e equipamentos/máquinas durante o “lock down” para produção das máscaras. A articulação da rede, a arrecadação para compra dos materiais e o trabalho voluntariado voluntários para montagem dos kits e entrega foi feita através de aplicativo/rede de celular. Deixo em anexo a carta de agradecimento e o Manual entregue que é impresso e entregue junto com o kit que contem a máscara.

    1. Nossa! Seria interessante poder saber um pouco mais sobre as condições dessa experiência que está sendo desenvolvida por vocês. Escala da rede e condições de distribuição. Modelo, recursos. Saber mais…

  8. Há anos escrevo meus sonhos. E os queimo após encherem um caderno. Esse rito iniciou-se no interior onde nasci, quando fiz um curso de parapsicologia com um charlatão. Apaguei da memória todo o curso, mas mantive o ritual de registrar sonhos, inicialmente sem incinerá-los. Após alguns anos, já estudante de psicologia, passei a queimar os cadernos oníricos quando chegavam ao fim. Ao rito juvenil, somou-se um rito psicanalítico que se associou a uma bruxaria muitíssimo íntima. Sonhar na pandemia é também perceber que outros ritos precisam ser inventados. Talvez seja preciso desaguar em outra foz, encontrar outras margens: o sonho compartilhado.
    Segue:
    30/31-03-2020
    Era uma espécie de festa, numa casa de diferentes andares, que lembrava a casa 22, na Tredegar Road. A casa era de outrem. As músicas eram pop americano e estranhas ao nosso repertório habitual. Fernando teve que sair para resolver algo e fiquei com os amigos, que pareciam ser M e R, e uma outra mulher que seria companheira de um deles. Ela usava um biquíni vermelho na parte de cima da roupa. Isso me parecia estranho, mas nem tanto. Antonio também estava presente, mas não sei se fisicamente ou apenas pelo celular. Um clima de confinamento, calamidade e exceção pairava no ar. Mas não estávamos propriamente nervosos. Havia uma preocupação de fundo e ao mesmo tempo uma tentativa de manter a “normalidade”. Mas tudo soava estranho no sentido que Freud dá à palavra “unheimlich”: estranho-familiar. Um dos amigos, me puxou para dançar: a música, a dança (abraçados e dando passos coordenados de lado) e o clima afetivo soavam estranhos. Eu me senti completamente desconfortável e tive medo. A casa começou a alagar. Não houve estresse e todos pareciam esperar por aquilo em alguma medida. Alguém disse que o andar de baixo não estava alagado. Essa impossibilidade física causou ligeira surpresa, mas logo passou. Antonio me pedia virtualmente uma autorização para alguma atividade online. Tentei providenciar e isso implicava falar com o meu pai. Descobrimos que o pedido de autorização havia sido enviado a generais. Nos surpreendemos, mas não tanto. Rimos um pouco, até. Havia, ainda, algum equívoco ou problema nessa autorização solicitada aos generais e eu estava tentando resolver virtualmente. Em vez de estar usando um celular, tentava manejar uma espécie de tablete gigante que mais parecia uma tela de TV. De perto, era difícil enxergar o conteúdo e quando afastava era complicado tocar a tela. Me perguntava, em pensamento, por que estava com aquele dispositivo tão inadequado, mas seguia. Acabo de me dar conta, enquanto escrevo o sonho, que hoje, 31 de março, o golpe militar de 1964 completa 56 anos.

  9. As Caixas

    Sinto uma dor vaga no meio do peito,
    mas que parece ecoar pelo corpo em
    pequenas ressonâncias
    que o paralisam.

    Meus olhos e minha atenção parecem
    não ter paciência para demorar-se em
    qualquer algo, em qualquer conjuntura
    de palavras que me fariam refletir
    sobre a atrocidade dos homens.

    A respiração parece pouca,
    insuficiente, sufocada dentro dessa
    caixa com pequenas aberturas. A caixa
    sou eu, a caixa é a casa. Entretanto, a
    caixa também continua (agora) sendo
    lá fora.

    Pensando que posso expirar tudo o que
    me trava dentro dessas caixas, no
    externo e inspirar tudo do novo, do
    ainda não olhado, sentido e imaginado,
    talvez até, aquele outro lado da moeda.

    Porém, sou invadida. E partes
    do meu rosto são anuladas com um pano
    branco. Minha respiração se limita a
    milímetros. Todos os sentidos fisiológicos,
    psicológicos e sociais, não somente limitados por
    uma mascara de “proteção”, mas sufocados
    em si mesmos.

    Temos que reaprender
    a perceber o quanto
    NOS respiramos. Mesmo que
    a possibilidade disso acontecer (hoje)
    seja mortal.

    Jéssica Paifer

    Imagem de Richard Tuschman – 2015 Tecnologia Digital e pintura.
    Variação de “Era uma vez em Kazimierz”

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