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O são joão guerreiro contra o império

 por Maria Morita


Cêis sabem a história de João Batista?

Ele era de uma comunidade nômade do rio Jordão, de uma região na altura do monte Carmelo. No período que Jerusalém era ocupada por Roma, rolou muito conflito entre Roma e Constantinopla. A quebrada entre Jerusalém e Constantinopla era de povos nômades e vilas muito pobres num caminho de genocídio.

Galiléia não é muito longe da região do Monte Carmelo, mas dá uma bela caminhada! 
Os sacerdotes nômades se recusaram a tributar pra Roma naquele período. As disputas por território com a capital cosmopolita oriental era a “polarização visível”, digamos assim… Mas as quebradas entre os centros cosmopolitas mantinham práticas religiosas dos povos dessas regiões. João Batista era uma espécie de sumo sacerdote das práticas do judaísmo antigo em uma comunidade nômade que manteve o carisma contemplativo e nômade da prática daquele povo. Foram chamados “zelotas” pelo Império Romano, um jeito de dizer que eram “radicais”, “xiitas” conspiradores contra Roma, fundamentalistas religiosos loucos do deserto que não aceitavam cobrar taxas do seu povo.

Os soldados romanos estupravam a quebrada de João Batista até a Galiléia. Cobravam os impostos da capital, tabelavam o preço da remissão dos pecados. 


Jesus fica conhecido por perdoar os pecados e ser sacrificado pelos pecados da humanidade. Isso é a narrativa bonitinha pra: mataram um dos caras que organizou um motim, uma marcha de 40 dias pelo deserto, com todas as pessoas condenadas à morte e espancamento porque se o preço de não ter jejuado era caro, imagina quanto num devia as putas? Jesus se batizou no Jordão com o zelota João Batista e chegou ocupando Jerusalém, foi acusado de subversão e de “proibir pagar impostos a César” (Isso tá em Lucas, cap 22). Jesus também era zelota.

Nessa mesma narrativa do evangelho de Lucas tem um trecho que descreve as mulheres que sofriam com a condenação “deste homem que encontramos fazendo subversão e incitando o povo da Galiléia até a não pagar impostos a César!”, diziam os sumos sacerdotes. E as mulheres choravam e batiam no peito em desespero de saber da condenação de Jesus. A fala de Jesus pra essas mulheres é muito forte, porque ele diz algo como: “não choreis por mim, filhas da Judeia, chorais por vós mesmas e por seus filhos. Porque vai chegar um dia que felizes daquelas que nunca tiveram filhos, nunca amamentaram, para que possam fugir pras colinas e se esconder. Porque se fazem assim com as árvores jovens, o que não farão com as árvores velhas?”. 


É nisso que eu penso quando a Débora Silva (Mães de Maio) diz uma frase “respeita as mãe!”. Brisa toda que me pega forte nessa narrativa de Lucas, uma escolha política do que é evangelho cristão, João Batista é uma figura que me põe a desdivinizar a figura de Jesus pra divinizar o que há de menos divino mas é tão sagrado: nóis cum nóis. Não temos que nos tornar deuses para sermos dignos d’Ele, pois que sejamos capazes de preferir que Marielle estivesse de FATO VIVA ao invés de termos, agora, uma palavra de ordem para “Marielle Vive”. 

Esses dias escutei o Hermes Trismesgistro do Jorge Ben e tem aquela frase “o que está embaixo é como o que está no alto e o que está no alto é como o que está embaixo”. João Batista também lembrei que ele teve a cabeça prometida pra Herodes, né? E num é que decapitaram o cara, memo? Antes mesmo da condenação de Jesus. Lembrei de uma coisa do capítulo do Lucas que narra a captura, condenação e execução de Cristo. Nas referências bíblicas desse evangelho de Lucas as passagens sobre a perseguição dos sumos sacerdotes de Roma, os sumos sacerdotes vendidos de Jerusalém contam sobre Jesus indo em todos os templos de toda a quebradeira da Judeia e falando pro povo que a remissão dos pecados não pode estar ligada à pagamento de impostos pra Roma. Então, num dos templos tentam prender Jesus depois que ele fala que o povo é a “pedra angular”, ou seja, akela peça da situação que muda o ângulo da porra toda e faz com que o que estava embaixo se vire do avesso pra estar em cima. O povo pira e os sacerdotes não conseguem prender Jesus nessa ocasião porque, segundo Lucas, tinham medo do povo!

O povo num ia deixar levar Jesus, não! Bom… o ponto é que eu gosto de pensar nessas narrativas pensando em como o cristianismo num tem nada a ver com o cristianismo, sabe? E no entanto, esse desejo de liberdade que é o desejo de continuar vivendo só sendo o que se é, com a dignidadezinha que num é nem que a gente merece, mas a que a gente tem direito, mesmo, é um desejo de viver que aparece na narrativa bíblica, também. Mas que dignidadezinha cretina que se precisa pra ser como se deseja ser. Então esse desejo tem a ver também com o cristianismo, mas o cristianismo não é esse desejo. Só Cristo pode ter sido o verdadeiro e único cristão, afinal… Em várias passagens o Nietzsche solta essa. Na pegada nietzscheana de ficar com o saracutico no saracuteco com o cristianismo histórico, eu tenho me lembrado de referências bíblicas em cada agulhada que o Nietszche dá nessa minha humanidade. É depois de ter pirado nuns aforismos do Humano Demasiado Humano que eu fico pensando nessa fita que eu escrevi sobre a Marielle. Afinal, olha que confortável referenciar-se à figura política de Marielle através de uma palavra de ordem depois de termos, nós, a matado. E quando digo que nós a matamos não é nada pra além de nos responsabilizar como sociedade estruturalmente racista, machista, lgbtqifóbica. E então a gente mata todo dia, né, sociedade?

Tem um aforismo que me cabe perfeito na sala de aula que é o Aforismo 125, de Gaia Ciência. Aquele famoso pelo escândalo na praça do mercado em que Nietzsche põe um personagem conceitual, O LOUCO, a gritar procurando por Deus e constatando “Nós o matamos, nós somos seus assassinos! Deus está morto, Deus permanece morto e nós o matamos!”. Em algum momento uma das perguntas desse homem louco é “ainda existe um em cima e um embaixo?”.

É… Ainda existe… Eu refaço essa pergunta muitas vezes ao longo do ano sempre que dá uma merda com estudante “indisciplinado” ou até mesmo depois de terminar um assunto em que falamos de qualquer (qualquer mesmo) conceito que se coloca transcendente na história da filosofia: seja de Platão a Kant, seja dos teóricos do contratualismo (…). 

Os saberes minoritários: É tudo aquilo que é angular e toda akela peça que se vira do avesso…. veeeeeesh, vira o mundo do avesso pelo ralo! Até engolir as cabeça que tão por cima, né não? 

São João, São João

Acende a fogueira da Revolução!   

Viva São João,   

Que batiza a revolta naz’água do Jordão.   

Ajuda, São João, porfavorzão,   

nóis fazer rolar as cabeça dos patrão!   

Amém.